Moleca, sapeca, matuta! Essa era Sophia! Uma menina que cresceu num infância feliz, rodeada de amigos (sim, meninos!), tinha suas responsabilidades de criança e era livre. Livre para ser criança e aberta a descobertas. Jogava bola, brincava de boneca, corria, fazia e empinava pipa, assistia desenho, estudava perto de casa. E tudo isso no seu tempo previamente organizado e fiscalizado pelos seus pais. Cresceu numa cidadezinha onde a maldade não se fazia presente e todo dia era de alegria. Ela cresceu assim...
Sophia deixou de ser criança e quando adolescente as responsabilidades aumentavam. Já não tinha mais tantas bonecas nem as casinhas inventadas na frente de casa que parecia assentamento de sem-terra. Já não tinha tantos jogos de bola tampouco tantos desenhos ou a liberdade de correr atrás de pipas. Já estudava longe, numa outra cidade vizinha ainda pequenininha, e conhecia novos amigos e falsos amigos. E começará a enxergar as maldades... Mas continuava matutinha!
Sophia deixando a adolescência passou a ganhar ainda mais responsabilidades. Já não morava na cidadezinha, já não fala com os amigos de outrora, já não havia bonecas, pipas e bolas. Sophia chegava à cidade graaaande! E sua relação com a cidade era um problema. Sophia não gostava de lá. Não gostava das pessoas! Não gostava de estudar na cidade grande. Sophia cresceu, mas continuava menina. Tímida, boba, matuta, imatura, inocente aos olhos de quem a enxergava. Ela já não sorria como antes, já não era feliz como antes. Preferia nunca ter crescido. Por ela ficava sempre criança na velha cidadezinha protegida das maldades. E o que ficava para ela era a singela e doce lembrança.
Mas essa descrição sobre a Sophia é para chegar ao ponto fundamental desse trama (ou dessa prosa). Ela resolveu me contar suas histórias para aconchegar seu coração e ajudar outros corações confusos, amargurados, amarrados e açoitados numa culpa que não é sua. Então, vamos lá... Vamos começar!
E a primeira história aconteceu na escola! Sophia era uma aluna regular. Nunca foi a primeira nem a ultima da turma. Sempre teve bom comportamento! Suas notas já não eram lá grande coisa. Tira sim suas notas baixas, mas era admirada por ser bastante esforçada. No colegial, apesar das notas baixas, nunca foi reprovada. Na educação o seu primeiro NÃO foi no teste do vestibular qual na primeira tentativa não conseguiu passar. Mas não desistiu! Nem seus pais desistiram também e assim quando acabou o terceiro ano numa modesta escola, seu pai matriculou-a numa escola bastante renomada na Capital. Ela bastante feliz se dedicou, estudou e passou. Mas entre o estudar e o passar, Sophia teve que encarar sua angustia, sua tristeza, sua vergonha (que nem deveria sentir), as humilhações, a depressão, a vergonha de pedir ajuda. Sim... para Sophia foi um ano difícil. A começar pelo fato de não estar acostumada com a forma com que as pessoas agiam (falsas, dissimuladas, prepotentes, arrogantes, seres superiores mergulhados num status quo que se achavam no direito de poder denegrir e pisar em alguém).
Sophia tinha poucos amigos, pouquíssimos, nesta escola. Sempre na rotina de casa para escola e da escola para casa, era raro ela ficar conversando com as pessoas deste ambiente. Seu espaço era a internet! Quando não estava estudando, estava na internet conversando com os velhos amigos, compartilhando fotos de quando achava que era feliz... Fotos da sua infância, sua família, seus verdadeiros amigos. Vendo esse isolamento na sala de aula, que ela achava que tudo era muito por culpa ao não dar atenção a sua turma. Um dia o colega da turma foi para frente da sala e informou que tinha criado um grupo da turminha numa rede social. Como gostava também bastante de estar na internet, viu naquilo a oportunidade de aproximação. Pronto... Foi aí que começou.
Em um dia qualquer, Sophia chega a sua casa, toma banho, almoça, estuda e finalmente depois vai à rede social buscar o tal grupo. E achou! Antes de solicitar o acesso, viu que o tal grupo era aberto e resolve ‘dar’ uma olhadinha no que as pessoas comentavam. Lá tinha um tópico: “Olha que patético!”. Na curiosidade foi olhar e daí vem o susto! No tópico muitas pessoas rindo e comentando um link que foi publicado junto com um comentário de agressão. Digo agressão não porque tinham palavras feias, mas sua intenção era feia. O link acessava a página de Sophia no site de relacionamentos. Falam do seu jeito, de suas fotos! Nesta situação incomoda, o que Ela sentiu? Vergonha? humilhação? Por mais que eu escreva, só ela sabe o que sentiu... Sophia chorou! Não queria mais voltar para a escola, não queria mais cruzar com aquelas pessoas. Ela não era aceita, e para ela soava um ‘que’ de não ser aceita no mundo. Como reagir? Quefazer? A ela restava o sofrer...
Mas ela pensou um pouco no sentido de estar ali. Ela não estava na escola por aquelas pessoas. Ela estava ali pelas pessoas que a amavam, que acreditavam e que confiavam nela. Sophia calou. Calou sua voz perante aquilo que atualmente chamamos de Cyberbulling (nem existia essa nomenclatura quando Sophia a sofria). Não entrou no grupo! No dia seguinte, foi para aula (deve até ter ido de cabeça baixa) e fingiu não ter visto nada, fingiu que nada acontecia. Não queria olhar para as pessoas, não queria falar com as pessoas. Ela sentia vergonha. Penso até que se sentia culpada e digna de tamanha humilhação. Ela não se encaixava nos padrões impostos pela sociedade. E dia após dia seguiu, e no seu cotidiano a vergonha amargurou. Não sabia lidar com tal situação! Humilhada estava depressiva e tinha vergonha de pedir ajuda. Como dizer aos seus pais, que a criaram com tanto carinho, que ela não era aceita. Não era vista como uma pessoa normal na sua diversidade? Ela não gravou as mensagem, sofreu no silêncio, não denunciou, se isolou ainda mais, afastando-se de quem a machucava e de quem não machucou, não respondeu e simplesmente fingiu que nada aconteceu. Mas fingir que nada acontece não apaga a lembrança da vergonha que nela brotava. Para ela tudo foi muito difícil, muita pressão, tensão e ansiedade. Mas com o tempo ela já levantava a cabeça, já focava nos estudos, já não se magoava tanto com a lembrança e no fim venceu!
Sophia passou no vestibular, exacerbou a alegria da aprovação! Muito orgulhosos ficaram seus pais, sua família, seus verdadeiros amigos. Mas ela também nunca esqueceu o que ficou para trás. Nem vai esquecer tamanha ferida na alma que brotou e fincou. E que hoje ninguém mais precisa fincar! Cyberbulling quando aconteceu com nossa amiga foi algo que era ‘postado’ as escuras. Ninguém sabia direito o que era. Agressões dirigidas a alguém (o chamado bullying) era tido como algo normal, como brincadeira de criança. O cyberbullying então, que são agressões através da internet, tampouco era conhecido.
Hoje é diferente! A agressão tem nome e é CRIME! Os crimes online têm punição sendo passível de multas ou prisão. Hoje Sophia é advogada com direito a carteirinha da OAB. Uma profissional exemplar que nas horas vagas realiza palestras gratuitas, nas escolas de sua cidade, alertando sobre o problema e como lidar com a situação. Ela conseguiu transformar sua dor em força para ajudar tantas pessoas de forma que a humilhação jamais possa amargurar outrem. Para mim, que escreve sua história, só tenho a dizer Parabéns e obrigada linda Sophia, a Moleca, sapeca, matuta que conseguiu soltar sua voz e a de tantas outras ‘Marias’, ‘joanas’ e ‘júlias’.
Ps.: Esta é uma história fictícia criada por Thamires Lucena do qual foi motivada pelo caso ocorrido com a menina Júlia! Que a justiça seja feita e que a imposição do perfil de beleza não nos deixe cegos ao ponto de magoarmos e marcarmos a vida de um ser humano de uma maneira tão triste! Que estes crimes na internet ou na escola não seja ignorados!